Sem critérios médicos, governo gasta milhões em um sistema antidemocrático que depende da boa ou má vontade de juízes
Advogada Luciane Faraco*
Conseguir medicamentos por ação judicial no Brasil é uma questão de sorte. O grande gargalo está na falta de consenso dos juízes, responsáveis por conceder ou não a medicação. Alguns juízes são mais flexíveis e deferem a maioria dos casos, outros não.
Segundo levantamento feito pelo iG Saúde nos três principais estados do País – Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais –, medicamentos para diabetes, asma e Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) lideram o ranking de ações na Justiça.
Gastos crescentes
Os gastos com ações judiciais, alegam as secretarias e o próprio Ministério da Saúde, são altos e crescentes. A maioria das ações exige tratamento contínuo, não apenas uma medicação por tempo determinado.
A falta de critérios também abala os cofres públicos. Quando o assunto é saúde e tem risco de vida, é muito difícil de um juiz ser contrário. Ele não tem embasamento técnico para avaliar corretamente. Na dúvida, a maioria aprova. Em casos de pacientes exigindo medicamentos para câncer, por exemplo, praticamente não há indeferimento. De janeiro a agosto de 2009 foi gasto 35 milhões para subsidiar medicamentos.
Escala Federal
Entre 2003 e 2009, o Ministério da Saúde respondeu a 5.323 processos judiciais com solicitações de medicamentos, o que representou um gasto de 159,03 milhões de reais. Os 5.323 processos de ações judiciais com solicitações de remédios se referem a 1.151 medicamentos – do total são 1.116 fabricados no país e 35 importados. Em 2009, o Ministério da Saúde investiu 83,16 milhões na compra desses medicamentos – 78,4% desse valor foi para aquisição dos 35 remédios importados.
É importante esclarecer que os processos requerem atendimento regular. Isso significa que o Ministério da Saúde hoje responde pelo acúmulo de ações judiciais.
Endereço, paciência e sorte
As incoerências se transformam em aberrações em determinadas cidades do Brasil. A Defensoria Pública de Santa Catarnia revela que nos últimos anos, o atendimento básico de saúde do Estado não recebeu nenhum investimento. Medicamentos já assimilados pela Secretaria de Saúde de São Paulo, e incorporado ao SUS nessa região, ainda são motivos de ações judiciais na região Sul.
Em 2009, Florianópolis protocolou 1600 novos casos de ações por medicamento. A Defensoria atende a população carente, com renda de até 1.500 reais mensais. Segundo a mesma Defensoria, o número é crescente porque a informação chega às comunidades.
Antigamente só os mais ricos sabiam como reivindicar os direitos. Hoje, as famílias mais pobres começaram a recorrer também.
O lobby de empresas farmacêuticas e ações judiciais para exigir uma determinada marca de um medicamento disponível nos postos de saúde são alertas recorrentes dos órgãos públicos e justificativa para que muitas ações não sejam aprovadas.
A corrupção na área da saúde, entretanto não pode mascarar um problema crônico de acesso. Impedir que um cidadão consiga um medicamento para tratar um câncer linfático, o mesmo que curou a presidente Dilma Rousseff, depende do Estado onde ele mora, de ação na Justiça e da sorte de seu processo cair nas mãos do juiz certo, ou no mínimo, mais flexível.
(*) Especialista em Direito Civil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário